Cezar Roberto Bitencourt

1. Considerações contextualizadoras
Qualquer pessoa está sujeita a ser acusada de ter cometido um crime e todos merecem defesa, independentemente da natureza ou gravidade do crime que lhes possa ser atribuído. O direito à ampla defesa consiste em garantir um julgamento justo a quem quer que seja, mesmo que o indivíduo possa ser culpado. Só haverá um julgamento justo quando o inocente for absolvido, e o culpado for condenado a uma pena justa, no limite de sua culpabilidade. A divulgação pública da prática de um crime autoriza o acusado a exercer a ampla defesa de forma igualmente pública, caso contrário, a defesa não será ampla, mas restrita e, por certo, inconstitucional.

Depois de troca de mensagens, desde março, determinada mulher recebeu passagens de Neymar para Paris, onde se encontraram em um hotel. Após haver perguntado se a mesma iria com uma amiga, esta respondeu-lhe que iria sozinha, mas que valeria por quatro e o encheria de prazer. Em outros termos, ambos deixaram claro a vontade de fazer sexo. Houve um segundo encontro. Convidado para mais outro, o atleta não compareceu. No em entanto, a referida mulher ainda continuou conversando com Neymar, normalmente, tentando marcar este novo encontro.

Uns 15 dias após os fatos, ela o acusa de ter praticado sexo sem seu consentimento. A negativa deste pode ter despertado a sua ira, motivando essa denúncia caluniosa, como vingança, pelo desprezo do atleta. Defendendo-se dessa acusação injusta, Neymar deu publicidade às mensagens trocadas entre ambos, bem como de foto íntima que a mesma lhe enviou, sem, contudo, mostrar o seu rosto, encobrindo-o, com a visível intenção de impedir a sua identificação. Esse cuidado com a imagem de sua acusadora revela a precaução e a intenção de apenas e tão somente se defender das infundadas e injustas acusações, sem divulgar a imagem daquela.

Não se trata de legítima defesa de Neymar, como se chegou a mencionar, pela falta da iminência ou atualidade da agressão sofrida por este (acusação de crime), parecendo mais uma espécie sui generis de retorsão, isto é, de resposta após a consumação do crime anteriormente sofrido por Neymar (calúnia ou denunciação caluniosa), qual seja, de ter “praticado sexo sem consentimento da suposta vítima”. Contudo, indiscutivelmente, a divulgação do conteúdo das mensagens trocadas entre ambos — na qual aquela declara sua vontade de satisfação sexual — insere-se no contexto do exercício do direito à ampla defesa do atleta.

2. Publicar ou divulgar, sem consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia
O novo crime atribuído a este seria, em tese, o de “publicar ou divulgar, por qualquer meio (...) fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou estupro de vulnerável (...) ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia”. No caso em epígrafe, seria a prática desta última figura, qual seja, a “divulgação de cena de nudez”, posto que a primeira está fora de contexto.

Quanto à primeira hipótese — divulgação de cena de estupro ou estupro de vulnerável —, inegavelmente, não ocorreu, quer por que tal conduta não aconteceu, quer por que tal cena, se existiu, ad argumentandum, não foi divulgada. Essa figura, portanto, está completamente afastada. Restaria, por conseguinte, uma segunda figura, qual seja, “publicar ou divulgar (...­) sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia”. A rigor, não houve divulgação de “cena de sexo, nudez ou pornografia”, mas somente a divulgação de foto desnuda, que não se confunde com “cena de nudez”, até porque referida foto não retrata cena alguma, na medida em que para existir “cena de nudez” demandaria que alguém posasse para que outrem produzisse o filme de tal cena, algo que não ocorreu. E o “princípio da tipicidade estrita” impede que seja interpretada uma coisa pela outra, isto é, uma foto por uma cena.

Na realidade, o atleta estava tão somente se defendendo, como leigo e sem a orientação de seu advogado, da caluniosa acusação de prática sexual não consentida. E, ainda assim, cautelosamente, borrou-lhe a face da foto, com o objetivo de impedir a sua identificação, aspecto que, por si só, afasta o dolo da prática desse crime, e sem dolo não se pode falar em crime algum.

Com efeito, o crime de divulgar cena de nudez não se configurou também pela ausência da tipificação subjetiva, qual seja, pela falta do elemento subjetivo do tipo penal, que é o dolo de expor a intimidade da suposta vítima, divulgando cena de nudez, pelos meios mencionados. Na realidade, Neymar agiu no exercício legítimo de sua ampla defesa, em nome de sua honra e dignidade pessoais atacadas pela agressão injusta da sedizente vítima. Em momento algum transpareceu, em sua conduta, a vontade ou intenção de denegrir a honra ou imagem da referida vítima. A rigor, o atleta caiu em uma “espécie de emboscada”, uma verdadeira “armadilha” de alguém em busca de promoção pessoal, de prazer sexual, de alguns minutos de fama e de enriquecimento ilícito, tanto que, mesmo após o suposto crime, a “modelo” voltou a procurá-lo consoante mensagens divulgadas na mídia. Quem é efetivamente vítima de estupro não volta a procurar seu suposto agressor, no mesmo local, no dia seguinte, ao contrário do que fez a “lady violentada”.

A condutas incriminadas são publicar ou divulgar, as quais têm sentidos ou significados muito semelhantes. Com efeito, publicar tem o significado tradicional de divulgar, propagar, dar grande publicidade a cena de sexo, nudez ou pornografia, que são objetos materiais de proteção da norma incriminadora. É correto e necessário, em tempos de mídia eletrônica e redes sociais, principalmente, coibir o uso desses modernos meios de comunicação, aliás, expressamente destacados, como elementares típicas, a proibição de divulgação “por qualquer meio, inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática”.

Igualmente, a conduta de divulgar, por sua vez, representa, como destacamos, uma grande redundância a repetição dessas condutas, pois divulgar tem exatamente o mesmo sentido ou significado de publicar, dar publicidade ou propagar a veiculação dos objetos materiais proibidos, por qualquer meio, especialmente pelos meios de comunicação e redes sociais que produzem efeito dizimador sobre a honra, dignidade, honestidade e vida privada de suas vítimas. Ambas, ou qualquer delas, seriam as condutas que se pretende atribuir, equivocadamente, ao atleta Neymar.

3. Ausência de consentimento e erro de proibição
O elemento subjetivo desse crime é o dolo constituído pela vontade livre e consciente de praticar qualquer das ações imputadas, ou seja, publicar ou divulgar cenas de sexo, nudez ou pornografia, no caso concreto, divulgar cena de nudez da suposta vítima. Notadamente, constitui crime publicar ou divulgar, por qualquer meio, sem o consentimento da vítima, cena de nudez, que não se confunde, repetindo, com a divulgação de uma foto em defesa própria. Ademais, deve o agente ter conhecimento do dissenso da suposta vítima, pois essa elementar típica deve, necessariamente, ser abrangida pelo dolo do agente.

Contudo, como a própria suposta vítima torna pública a “relação íntima” de ambos indo à polícia para, falsamente, acusá-lo de crime que não cometeu, tomando conta de todas as mídias deste país e, quiçá, do mundo, o acusado achou-se no direito de se defender. Em outros termos, essa denúncia caluniosa contra o atleta já gerou dano incalculável ao seu patrimônio pessoal (honra e dignidade) e material, que nada mais poderá apagar, e muito menos reparar. No entanto, diante dessa catástrofe pessoal, procurou exercer, legitimamente, o seu direito de ampla defesa, e o fez divulgando os diálogos travados entre ambos, como deixam claro as transcrições publicadas nos meios de comunicação.

Na pior das hipóteses, o atleta equivocou-se quanto ao direito de sua defesa, pois, ante a divulgação pela mídia de ser acusado, injustamente, de crime tão grave, incorreu, no mínimo, em erro de proibição — que exclui a culpabilidade de sua ação equivocada. Com efeito, imaginou que tinha o direito de se defender de acusação injusta, divulgando, licitamente, a troca de mensagens entre ambos, inclusive por iniciativa da suposta vítima. Como o erro de proibição exclui a culpabilidade e sem esta não há crime, por falta de um dos seus elementos constitutivos, o atleta não incorreu em crime algum, ainda que se lhe queira imputar o acima mencionado.

Em hipótese alguma houve a intenção de ofender a honra da vítima divulgando a intimidade do casal, mesmo que esta lhe tenha acusado injustamente. Essa conduta da agressora de sua honra levou o atleta a imaginar que houve o seu consentimento para divulgar o que realmente aconteceu. E efetivamente houve, no mínimo, consentimento tácito da acusadora, na medida em que qualquer acusado tem o direito sagrado de defender-se usando dos meios legítimos para tanto. Foi ela que tornou pública a relação entre ambos, faltando com a verdade de como os fatos aconteceram.

Em síntese, por todo o exposto, não se configurou o crime de publicação ou divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia previsto no Código Penal.

https://www.conjur.com.br/2019-jun-04/cezar-bitencourt-direito-defesa-absolve-neymar-crime-sexual

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