Destacamos algumas das mais importantes Súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal, as quais dedicam-se, não raro, a temas igualmente relevantes, mas que nem sempre prestigiam a melhor orientação dogmática, algumas, inclusive, afrontam claramente garantias constitucionais. Outras, no entanto, respaldam os mais sagrados postulados constitucionais, parecendo quase desnecessárias, por sua obviedade, não fosse a incompreensível dificuldade de instâncias inferiores perceberem o óbvio.
Vejamos, a seguir, as considerações que fizemos de algumas dessas súmulas em palestras que proferimos em alguns eventos realizados nos últimos anos em diversos Estados da Federação.
1. A progressão nos crimes hediondos
Faz-se necessária uma pequena análise sobre a exceção quanto à progressão de cumprimento de penas em relação aos chamados crimes hediondos (Lei n. 8.072/90), que, a nosso juízo, viola o sistema progressivo adotado por nosso ordenamento jurídico. Na verdade, cumprindo disposição constitucional, o Código Penal e a Lei de Execução Penal, complementados pelas leis extravagantes, individualizam a aplicação da pena e o seu cumprimento. À lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar a individualização da pena, sem ignorar, contudo, o seu objetivo ressocializador. Ademais, o dispositivo que determina o cumprimento da pena em regime integralmente fechado inviabiliza esse objetivo, que tem suas origens em meados do século XIX.
2. A progressão nos crimes hediondos a partir da Lei n. 9.455/97
“Súmula 698. Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”.
A doutrina e a jurisprudência, em geral, sempre tiveram grandes dificuldades em aceitar a proibição da progressão nos chamados “crimes hediondos”, com o que, de certa forma, concordamos, embora discordemos da afirmação de que tal proibição seja inconstitucional por violar o princípio da individualização da pena, conforme demonstramos no tópico anterior. Nossa contrariedade à proibição da progressão tem como fundamento razões de política criminal, que não podem ser aqui desenvolvidas. No entanto, o advento da Lei n. 9.455/97, que tipifica e disciplina o crime de tortura, oferece, finalmente, um fundamento jurídico para se reinterpretar a proibição constante do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, ao estabelecer que o condenado por crime de tortura “iniciará o cumprimento da pena em regime fechado”, com a exceção que prevê.
Há uma certa unanimidade nacional sobre o entendimento de que a Constituição fixou um regime comum para os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os definidos como crimes hediondos (art. 5º, XLIII, da CF), equiparando-os quanto a sua danosidade social. Com o novo tratamento que a Lei n. 9.455/97 estabelece para o cumprimento da pena decorrente de condenação pelo crime de tortura — inegavelmente mais benéfico —, reconhecendo o direito à progressão, está autorizada a interpretação extensiva da nova dicção legal, para estendê-la às demais infrações definidas como crimes hediondos, inclusive retroativamente. Afora a regra geral de hermenêutica que permite, no Direito Criminal, a interpretação extensiva da lei mais benéfica, há o tratamento uniforme que a Constituição Federal estabeleceu a essa modalidade de infrações penais. Aliás, em sentido semelhante decidiu recentemente o STJ, sendo relator o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro (REsp 140.617-GO, 6ª Turma, j. 12-9-1997 — Bol. do IBCCrim n. 60).
Não se pode ignorar que a disciplina do cumprimento de pena constante dos dois diplomas legais é conflitante, ou, na linguagem que estamos utilizando, é desuniforme: de um lado, proíbe a progressão de regime para os crimes hediondos, terrorismo (ainda não tipificado) e tráfico de entorpecentes (Lei n. 8.072/90); de outro lado, admite o regime progressivo para o crime de tortura (Lei n. 9.455/97). Contudo, como o ordenamento jurídico é composto por um sistema harmônico e racional de normas, eventuais e aparentes contradições devem encontrar solução racional no próprio sistema, através das regras de hermenêutica e dos princípios gerais de Direito. Assim, concordamos com a conclusão lapidar de Alberto Silva Franco, segundo o qual: “Não há razão lógica que justifique a aplicação do regime progressivo aos condenados por tortura e que negue, ao mesmo tempo, igual sistema prisional aos condenados por crimes hediondos ou tráfico ilícito de entorpecentes. Nem sob o ponto de vista do princípio da lesividade, nem sob o ângulo político-criminal, há possibilidade de considerar-se a tortura um fato delituoso menos grave em confronto com os crimes já referidos”.
Assim, a partir da edição da Lei n. 9.455/97, deve-se reconhecer a aplicabilidade do sistema progressivo aos crimes hediondos e afins, sem restrições, inclusive retroativamente.
Contudo, ignorando o conteúdo do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, o STF resolveu sumular o entendimento que dá tratamento diferenciado ao crime de tortura dos demais elencados no referido inciso, como se tivessem naturezas distintas, a despeito de terem sido tratados uniformemente pelo texto constitucional. A Súmula 698 tem o seguinte enunciado: “Não se estende aos demais crimes hediondos a admissibilidade de progressão no regime de execução da pena aplicada ao crime de tortura”.
Para os homens de boa vontade, parodiando o Evangelho, chegará o dia em que a Constituição será inteiramente aplicada, embora isso somente seja possível quando ela for corretamente interpretada!
3. Progressão de regime antes do trânsito em julgado de decisão condenatória (Súmula 716)
Desafortunadamente, desde o final da última década do milênio passado, têm aumentado assustadoramente as prisões cautelares, que nem sempre têm observado o limite legal de duração (81 dias). A longa demora dos trâmites processuais-recursais tem levado inúmeros recorrentes a cumprirem grande parte de suas sanções em regimes mais graves que aquele aplicado na sentença ou mesmo naquele previsto em lei para o caso concreto. Por outro lado, invariavelmente, esses indivíduos têm sido constrangidos a desistirem de seus recursos para receberem a progressão de regimes, sob o argumento falacioso de que durante a fase recursal é proibida a progressão de regimes. Sensível a essa violência, a que milhares de pessoas eram submetidas, o Colendo Supremo Tribunal Federal, em boa hora, houve por bem editar a Súmula 716, com o seguinte enunciado: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.
Com essa oportuna súmula de nossa mais alta Corte de Justiça corrige-se flagrante injustiça que vinha se perpetuando em nossos pretórios injustificadamente. Ninguém desconhece as deficiências do sistema penitenciário brasileiro, que, aliás, de sistema, só tem o nome; assim, sonegar o direito a progredir de regime, quando estiverem satisfeitos seus requisitos formais e materiais, significa punir mais severamente ao arrepio de nosso ordenamento jurídico.
Essa justa preocupação de nosso Pretório excelso foi complementada com a edição da Súmula 717: “Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial”. Com efeito, uma coisa não inviabiliza a outra, porque a prisão especial aplica-se a todo e qualquer regime de cumprimento de pena. Ademais, essa progressão justifica-se para quando o sujeito não fizer mais jus à prisão especial, pois, assim, quando sair dessa espécie de prisão poderá ingressar no seu verdadeiro regime.
4. Retroatividade da lei penal mais grave em crimes “continuado” ou “permanente”: Súmula 711 do STF
Recentemente, equiparando o tratamento do crime continuado e do crime permanente, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 711 com o seguinte conteúdo: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”.
Considerando que crime continuado e crime permanente são institutos distintos, equipará-los, especialmente para ampliar a punibilidade de ambos, é uma opção de alto risco, ferindo princípios sagrados, como o da irretroatividade da lei penal mais grave. O crime permanente é uma entidade jurídica única, cuja execução alonga-se no tempo e é exatamente essa característica, isto é, manter-se por algum período, mais ou menos longo, realizando-se no plano fático (e esse fato exige a mantença do elemento subjetivo, ou seja, do dolo), justifica-se que sobrevindo lei nova, mesmo mais grave, tenha aplicação imediata, pois o fato, em sua integralidade, ainda está sendo executado. É necessário, convém destacar, que entre em vigor o novo diploma legal mais grave antes de cessar a permanência da infração penal, isto é, antes de cessar a sua execução.
Mas o que acabamos de dizer nada tem a ver com o princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais grave (art. 5o, XL, da CF), pois se trata, em verdade, da incidência imediata de lei nova a fato que está acontecendo no momento de sua entrada em vigor. Assim, não é a lei nova que retroage, mas o caráter permanente do fato delituoso, que se protrai no tempo, e acaba recebendo a incidência legal em parte de sua execução e a expande para toda sua fase executória; nesse entendimento, repita-se, não há nenhuma contradição e tampouco violação ao mandamento constitucional, pois não se poderá pretender que apenas um fragmento da conduta (realizado sob o império da nova lei) seja punida pela lei atual, deixando o restante para a lei anterior, na medida que o crime realmente é único e não havia se consumado. Nesse particular, não merece qualquer reparo a Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal.
Contudo, apresentamos seriíssimas restrições à indigitada súmula 711 relativamente a entidade crime continuado, na medida que não se pode confundir alhos com bugalhos: nunca se poderá perder de vista que o instituto do crime continuado é integrado por diversas ações, cada uma em si mesma criminosa, que a lei considera, por motivos de política criminal, como um crime único. Não se pode esquecer, por outro lado, que “o crime continuado é uma ficção jurídica concebida por razões de política criminal, que considera que os crimes subseqüentes devem ser tidos como continuação do primeiro, estabelecendo, em outros termos, um tratamento unitário a uma pluralidade de atos delitivos, determinando uma forma especial de puni-los”[1]. Admitir, como pretende a Súmula 711 do STF, a retroatividade de lei penal mais grave para atingir fatos praticados antes de sua vigência, não só viola o secular princípio da irretroatividade da lei penal, como ignora o fundamento da origem do instituto do crime continuado, construído pelos glosadores e pós-glosadores, qual seja, o de permitir que os autores do terceiro furto pudessem escapar da pena de morte[2]. Com efeito, a longa elaboração dos glosadores e pós-glosadores teve a finalidade exclusiva de beneficiar o infrator e jamais prejudica-lo. E foi exatamente esse mesmo fundamento que justificou o disposto no art. 5o, inciso XL, da atual Constituição Federal: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o infrator. Não se pretenderá, certamente, insinuar que o enunciado da súmula 711 do STF relativamente ao crime continuado beneficia o infrator!
Por certo, mesmo no Brasil de hoje, ninguém ignora que o crime continuado é composto por mais de uma ação em si mesma criminosa, praticadas em momentos, locais e formas diversas, que, por ficção jurídica, é considerada crime único, tão somente para efeitos de dosimetria penal. O texto da súmula 711, determinando a aplicação retroativa de lei penal mais grave, para a hipótese de crime continuado, estará impondo pena (mais grave) inexistente nada data do crime, para aqueles fatos cometidos antes de sua vigência.
Por outro lado, convém destacar que o art. 119 do Código Penal determina que, em se tratando de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá em cada um dos crimes, isoladamente. Essa previsão resta prejudicada, se for dada eficácia plena a indigitada súmula 711. Nesse sentido, já havia se pacificado o entendimento do STJ, consoante pode-se perceber do seguinte aresto: “Consolidado o entendimento de que, no crime continuado, o termo inicial da prescrição é considerado em relação a cada delito componente, isoladamente”( RHC 6.502/MG, 5a Turma, Rel. José Dantas, 05.02.1998, v. u). Dessa forma, aplicando-se retroativamente a lei posterior mais grave, alterará, conseqüentemente, o lapso prescricional dos fatos anteriores, afrontando o princípio da reserva legal.
Enfim, a nosso juízo, venia concessa, é inconstitucional a súmula 711, recentemente editada pelo STF, no que se refere ao crime continuado.
5. Progressão de regime antes do trânsito em julgado de decisão condenatória (Súmula 716)
A Súmula n. 716 do STF tem o seguinte enunciado: “admite-se a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.
“Súmula 717. Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial”.
Desafortunadamente, desde o final da última década do milênio passado, tem aumentado assustadoramente as prisões cautelares, que nem sempre têm observado o limite legal de duração (81 dias). A longa demora dos trâmites processuais-recursais têm levado a inúmeros recorrentes cumprirem grande parte de suas sanções em regimes mais graves que aquele aplicado na sentença ou mesmo que aquele previsto em lei para o caso concreto. Por outro lado, invariavelmente, esses indivíduos têm sido constrangido a desistirem de seus recursos para receberem a progressão de regimes, sob o argumento falacioso de que durante a fase recursal é proibido a progressão de regimes. Sensível a essa violência que milhares de pessoas eram submetidas, o Colendo Supremo Tribunal Federal, em boa hora, houve por bem editar a Súmula 716, com o seguinte enunciado: “admite-se a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.
Com essa oportuna súmula de nossa mais alta Corte de Justiça corrige-se flagrante injustiça que vinha se perpetuando em nossos pretórios injustificadamente. Ninguém desconhece as deficiências do sistema penitenciário brasileiro, que aliás, de sistema, só tem o nome; assim, sonegar o direito a progredir de regime, quando estiverem satisfeitos seus requisitos formais e matérias, significa punir mais severamente ao arrepio de nosso ordenamento jurídico.
Essa justa preocupação de nosso pretório excelso foi complementada com o a edição da Súmula 717: “Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial”. Com efeito, uma coisa não inviabiliza a outra, pois a prisão especial aplica-se a todo e qualquer regime de cumprimento de pena. Ademais, essa progressão justifica-se para quando o sujeito não fizer mais jus à prisão especial, pois assim, quando sair dessa espécie de prisão poderá ingressar no seu verdadeiro regime.
6. A irrelevância da opinião do julgador sobre a gravidade do crime na hora de fixar o regime de cumprimento da pena
“Súmula 718. A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”.
“Súmula 719. A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”.
Encontrada a pena definitiva, o juiz deverá fixar o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, mesmo que ela venha a ser substituída ou suspensa, porque poderá haver conversão ou revogação da medida alternativa.
O STF sumulou recentemente que a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplica. Com efeito, a Súmula n. 718 tem o seguinte enunciado: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”. Essa é uma das tantas súmulas que se poderia dizer, finalmente, o Supremo resolveu colocar um termo nas arbitrariedades infundadas, que davam azo apenas a “opiniões” pessoais de determinados julgadores, sem qualquer respaldo legal.
Além disso, segundo a súmula 719, quando o juiz impuser regime de cumprimento de pena mais severo do que a pena aplicada permitir, deverá motivar sua decisão de maneira idônea. O enunciado da Súmula 719 - a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea – é dos mais infelizes que se pode imaginar. Ora, venia concessa, “regime de cumprimento de pena mais severo do que a pena aplicada permitir” é ilegal e não há motivação que possa legitimá-lo. Os parâmetros que permitem as espécies e a gravidade dos regimes de cumprimento de penas estão expressos em lei, conforme examinamos no capítulo XXVII, nos itens n. 3 e 4, deste mesmo volume, para onde remetemos o leitor.
Nesse sentido, esperamos que o pretório excelso se dê conta da gravidade do equívoco que a súmula 719 representa e a revogue o mais pronto possível.
O magistrado deverá analisar, finalmente, quando a natureza do crime e a quantidade da pena privativa de liberdade permitirem a possibilidade de substituição (art. 59, IV, do CP) ou de suspensão da sua execução (art. 157 da LEP). Nessas hipóteses, a decisão, concessiva ou negatória, deverá ser sempre devidamente motivada.
7. Limite de cumprimento da pena de prisão (Súmula 715)
Neste item, aborda-se o art. 75 do CP, que limita em 30 anos o tempo de cumprimento de pena, ainda que a condenação tenha contemplado quantidade de pena maior.
Como corolário constitucional da prisão perpétua (art. 5º, XLVII, b, da CF), o art. 75 do Código Penal determina que “o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos”. Como o que a disposição legal limita é “o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade”, nada impede que o agente, autor de vários crimes, possa receber condenação superior àquele limite. Quando, no entanto, as condenações de um mesmo agente atingirem soma superior aos trinta anos, “devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo” estabelecido (art. 75, § 1º, do CP). Porém, este limite é tão-somente para o cumprimento de pena, não sendo aplicável para outros benefícios, como progressão, indulto, livramento condicional etc.. Esse nosso entendimento, finalmente, foi coroado com a mesma orientação recentemente adotada pelo STF com a edição da Súmula n. 715, segundo a qual“a pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução”.
Além de adequar-se à proscrição da prisão perpétua, a limitação do cumprimento da pena de prisão tem a finalidade de alimentar no condenado “a esperança de liberdade e a aceitação da disciplina” (Exposição de Motivos da Lei n. 7.209, item 61).
Quando o condenado praticar novo crime durante a execução, far-se-á nova unificação de penas, abatendo-se o tempo já cumprido (art. 75, § 2º). Não deixa, contudo, de conceder um “passaporte de impunidade” ao sujeito que, condenado a 30 anos de prisão, pratique novos delitos no início de seu cumprimento. Por isso, continua atualizada a sugestão de Basileu Garcia, quando criticava o Código Penal de 1940, de “facultar a imposição de um acréscimo penal, sobre o limite fixado no art. 55, para o caso de crime cometido supervenientemente à condenação irrecorrível”.
8. Suspensão do processo: pena mínima cominada não superior a um ano
Nos casos de crime continuado, conforme orientação dada pelo STF, por meio da Súmula n. 723, não se admitirá suspensão condicional do processo se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano[3].
Parece-nos que a Lei n. 9.099/95 foi bastante ousada ao fixar como limite para permitir a adoção da suspensão do processo as infrações penais cujo mínimo da pena cominada não seja superior a um ano.
Inovando, neste particular, contrariamente às previsões da suspensão condicional da pena (art. 77) e das substituições por penas restritivas de direitos (art. 44, I) ou por multa (60, § 2º), que utilizam a pena aplicada como parâmetro, a suspensão condicional do processo estabelece como limite a pena mínima cominada ao delito. Aliás, nem podia ser diferente; ante a inexistência do processo e conseqüentemente de uma pena concretizada, só poderia ter por base pena abstratamente prevista.
Parece-nos que a Lei n. 9.099/95 foi bastante ousada ao fixar como limite para permitir a adoção da suspensão do processo as infrações penais cujo mínimo da pena cominada não seja superior a um ano. Preocupa-nos pela extensão do seu alcance, podendo abranger, somente para exemplificar, crimes de homicídio culposo, aborto consentido, lesões corporais graves (debilidade permanente, perigo de vida), perigo de contágio de moléstia grave, abandono de incapaz, omissão de socorro, rixa qualificada (com morte), calúnia, difamação, injúria (quando forem públicas condicionadas), furto simples, dano (simples e qualificado), estelionato, falsidade ideológica, corrupção (ativa e passiva), prevaricação etc., somente para citar alguns dos mais graves. Em uma análise mais rigorosa chegar-se-á à conclusão de que a maioria dos crimes previstos no Código Penal terá a possibilidade de permitir a suspensão do processo ab initio. Isso, por via inversa, pode representar uma despenalização maciça que, num exame mais refletido, pode ser preocupante.
Há que se tomar muito cuidado e orientar-se com redobrada prudência na análise dos demais requisitos necessários à concessão desse benefício, especialmente quanto à sua necessidade e suficiência, sob pena de se oficializar a impunidade. Igualmente, será recomendável maior rigor no exame das causas de revogação do benefício, visto que tal revogação não violará princípios e garantias fundamentais do beneficiário, mas integrará somente a prevenção geral, que deverá ser o princípio reitor dessa nova política criminal brasileira. Adotado com prudência e responsabilidade, evitando-se que uma interpretação demasiadamente liberal leve-a ao descrédito, poder-se-á, quem sabe, comemorar em pouco tempo a consagração de uma nova justiça consensual, como mais um símbolo de um Estado Social e Democrático de Direito.
9. Impossibilidade de suspensão do processo ex officio (Súmula 696)
E se estiverem presentes todos os requisitos necessários para a suspensão do processo, acusado e defensor dispostos a aceitá-la, e o Ministério Público, por qualquer razão, não fizer a proposta, por entender não recomendável, por exemplo? Como agir? Poderá o juiz de ofício concedê-la?
A Súmula n. 696 do STF confirmou o entendimento de que, quando presentes os pressupostos para propositura da suspensão condicional do processo e o Promotor se recusar a propô-la, poderá o juiz aplicar analogicamente o art. 28 do CPP.
No entanto, a despeito de sumulado pelo STF, entendemos que não, para não se transformar em “juiz acusador”, como ocorria anomalamente com as contravenções penais e a Lei n. 4.611/65, de tão triste memória.
Nessa hipótese, chegamos a admitir, numa primeira reflexão, a inversão dos ius postulandi: o acusado, através de seu defensor, requereria ao juiz que, satisfeitos os pressupostos legais, lhe concedesse a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89. Formalizada essa postulação, o magistrado teria de decidir, sem transvestir-se em “juiz acusador”, pecha que nunca mais o juiz brasileiro deverá aceitar. Pareceu-nos, inicialmente, que assim se preservaria, antes do ius accusationis, o ius libertatis, como convém a um Estado Social e Democrático de Direito. Porém, a suspensão do processo também implica, de certa forma, uma transação, e isso somente pode ocorrer entre partes, sendo impossível ao juiz substituir qualquer delas sem desnaturar essa relação.
Tem-se sugerido a utilização da faculdade prevista no art. 28 do CPP (STF, Súmula 696). Mas esse “expediente”, a despeito de ter sido sumulado pelo STF, também não satisfaz, porque, naquela hipótese, o “recurso” é contra o acusado e em prol da sociedade. Aqui a situação é diferente: será o denunciado que estará sofrendo constrangimento ilegal, com a não-propositura da suspensão do processo, quando, teoricamente, cabível. É exatamente isso: se os requisitos estiverem presentes, mas o Ministério Público, por qualquer razão, não os percebe, não os aceita ou os avalia mal, como consideramos tratar-se de um direito público subjetivo do réu, só há uma saída honrosamente legal: habeas corpus.
Enfim, não aceitamos nenhuma das duas posições radicais: nem a propositura ex officio, pelo magistrado, nem a disponibilidade absoluta do Ministério Público.
Na verdade, a súmula do STF adota um caminho simplificador, pois de analogia, interpretação analógica ou extensiva não se trata.
[1]. Cezar Roberto Bitencourt. Tratado de Direito Penal, vol. 1o, 8a ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 566.
[2]. Zagebrelski. Reato continuato, 2a ed., Milano, 1976, p. 8: o “statuto di Valsassina de 1343” estabeleceu a pena de morte para o terceiro furto.
[3]. Ver, em sentido semelhante, o que escrevemos in Juizados Especiais Criminais Federais, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 35/36.